Renúncia de direitos hereditários implica majoração tributária
- Felipe Lopes

- 13 de jun. de 2023
- 5 min de leitura
Atualizado: 8 de jul. de 2023
A oneração de custos que faz a solidariedade entre herdeiros não valer a pena.

A abertura da sucessão e o posterior inventário e partilha de bens formam o conjunto de institutos jurídicos aplicáveis ao complexo processo de transmissão de bens de um falecido aos seus herdeiros, temas estes afetos ao estudo do Direito das Sucessões, disciplinados a partir do Art. 1.784 do Código Civil, e no que toca a parte processual, a partir do Art. 610 do Código de Processo Civil.
É de comum conhecimento que no bojo do processo de inventário e partilha, incidirá sobre a transmissão de bens de um falecido aos seus herdeiros o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações, ou ITCMD, de competência dos Estados, por força do Art. 155, I, da Constituição Federal.
Em síntese, no curso do processo de inventário e partilha, seja ele judicial ou extrajudicial, após a apresentação das últimas declarações e saneamento do processo (Art. 637, CPC), o Estado intervirá apresentando o cálculo do ITCMD sobre a operação de transmissão de bens e exigindo o seu recolhimento, que incidirá sobre o valor universal do patrimônio a ser transmitido, cuja alíquota média praticada pelos estados da federação é de 2% sobre a avaliação do patrimônio.
O recolhimento do referido do tributo e comprovação nos autos, evidentemente, é condição sine qua non para o seguimento do processo de inventário e posterior sentença de partilha de bens, ou escritura pública de partilha de bens, caso seja processado pela via extrajudicial.
Ou seja, avaliada a universalidade do patrimônio, o ITCMD corresponderá a 2% sobre esta avaliação, portanto, hipótese de incidência do tributo propriamente dito, como regra geral.
Ocorre que, dadas convenções sociais, não raro, os herdeiros estipulam entre si que os quinhões hereditários devam ser divididos de forma diversa da igualitária, favorecendo um ou outro herdeiro em face dos demais, por motivos de foro íntimo destes.
Todavia, o ato de renunciar total ou parcialmente seu quinhão hereditário em proveito de um ou alguns dos demais herdeiros importa em verdadeira doação, fazendo novamente incidir o mesmo ITCMD que incide sobre a a própria transmissão de bens.
Isto porque, como o próprio nome do tributo indica, pela literalidade do Art. 155, I, Constituição Federal, o ITCMD incide tanto sobre a transmissão causa mortis como sobre os atos de doação de bens, ou seja, tributo com duplo fato gerador.
Portanto, havendo renúncia de quinhão hereditário dentro de um processo de inventário e partilha, o ITCMD tanto incidirá sobre a operação global do inventário, com base na avaliação do patrimônio, como também sobre cada renúncia de cada herdeiro ao seu respectivo quinhão hereditário, uma vez que isso importa em doação.
Ilustremos o exposto da seguinte forma, utilizando-se de valores, percentuais e número de herdeiros de forma objetiva, para facilitar a compreensão:
Digamos que o patrimônio deixado pelo falecido objeto de partilha seja avaliado em R$ 100.000,00. Aplicada a alíquota média praticada entre os estados da federação no percentual de 2%, o ITCMD sobre esta partilha corresponderá a R$ 2.000,00 a ser recolhido ao fisco estadual.
Considerando que esta partilha se dê apenas entre dois herdeiros, impõe dizer que a cada um corresponderá a 50% do patrimônio.
Acaso estes dois herdeiros convencionem entre si que seus quinhões sejam partilhados na proporção 75/25, aquele que ficar com os 25% estará renunciando 25% de seu quinhão em favor do outro, que por se tratar de uma verdadeira doação, incidirá o ITCMD também sobre esta porção doada, ou seja, calcular-se-á 2% sobre aqueles 25% renunciados.
Em síntese, considerando que 25% de um patrimônio de R$ 100.000,00 seja R$ 25.000,00, o ITCMD incidente sobre o fato gerador de doação será de R$ 500,00, que somado ao ITCMD sobre o fato gerador de transmissão no valor de R$ 2.000,00, ao final das contas os herdeiros haverão de recolher ao fisco R$ 2.500,00, ao invés de apenas R$ 2.000,00.
Como visto, o exemplo acima se utilizou de parâmetros objetivos para facilitar o entendimento. Todavia, sendo no caso prático a universalidade do patrimônio em valores “quebrados”, com vários herdeiros e os quinhões por eles definidos sejam em percentuais aleatórios, o cálculo para definir a incidência do ITCMD sobre cada ato da renúncia (doação) se tornará consideravelmente mais complexo e oneroso.
Exemplo: cinco herdeiros de mesma espécie, a priori, importa numa divisão igualitária de 20% do patrimônio para cada um. Se, todavia, estes herdeiros concordam que determinado filho mereça ficar com uma porção maior, três filhos fiquem com uma porção média e um filho fique com uma porção mínima, há aí uma sucessão de renúncia em favor de uns para com outros, fazendo incidir um novo fato gerador do ITCMD sobre cada uma dessas renúncias.
Ressalte-se, todavia, que aqui não há falar em renúncia abdicativa, aquela em que o herdeiro renuncia totalmente o seu quinhão hereditário em favor do monte patrimonial, hipótese esta que por não haver uma destinação específica do quinhão renunciado a herdeiro específico, não haveria de incidir o imposto sobre este ato, vez que o ITCMD não incide sobre a renúncia em si, e sim sobre a doação, quando favorecer diretamente a outrem.
Não há que falar em renúncia abdicativa pelo simples fato de que a renúncia feita no caso em que estamos tratando é meramente parcial, diante da convecção entre os filhos de favorecer determinado irmão, portanto, necessariamente aí incidindo um ato de doação.
Desta forma, partindo do ponto que os herdeiros convencionarão entre si a distribuição não igualitária das quotas, obviamente algum ou alguns dos herdeiros irão se beneficiar com quota maior, portanto, clara ocorrência de doação, hipótese de incidência do ITCMD.
Ressalte-se que tal problemática está aqui sendo suscitada por conta da absoluta recorrência prática de os filhos convencionarem quotas diferentes entre si pelos mais variados motivos de foro íntimo destes, podendo ser pelo fato de um determinado filho ter invertido mais tempo e cuidado com o genitor falecido em seus dias de velhice, determinado filho ser melhor favorecido economicamente frente os demais etc, divisão diferenciada esta que fará a partilha de bens enfrentar todo o imbróglio aqui discutido.
Acaso os filhos convencionem que partilha de bens seja pela forma convencional, na exata proporção igualitária, não haverá o que falar em de renúncia de uns para com os outros, e, portanto, em nova incidência do ITCMD sobre as doações, limitando-se o tributo a incidir tão somente sobre o próprio evento de transmissão de bens.
Ou seja, o peso do estado sobre o contribuinte faz com que a solidariedade entre os herdeiros não compense, a não ser que a referida oneração tributária não seja um problema para os herdeiros que o suportarão.
À vista do exposto, acaso a distribuição dinâmica dos quinhões hereditários, que acarreta a consequente renúncia do direito de determinados herdeiros em favor dos outros, seja condição a que estes não abrem mão, deverão estar cientes que isso importará em considerável oneração do ITCMD incidente, sendo recomendável que sempre que possível os quinhões hereditários sejam estipulados de forma igualitária entre os herdeiros, com vistas a evitar o evento doação, que atrai nova incidência do imposto.




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